sábado, 5 de julho de 2008

Crítica de cinema: "Death Defying Acts", 2007

Uma ida ao cinema - “Death Defying Acts” (2007), de Gillian Anderson com Guy Pearce, Catherine Zeta-Jones, Saoirse Ronan, Timothy Spall

No meio de tantos filmes de Verão – “Hulk”, “The Happening”, “Speed Racer” - é refrescante encontrar uma alternativa nos cinemas para quem não é fã das famosas escolhas de férias, repletas de super-heróis, monstros e explosões. Dito isto, “Death Defying Acts” não é um filme espectacular, mas oferece ao espectador uma boa dose de escapismo romântico estilizado, perfeito para um encontro ou para um futuro aluguer numa noite calma.
“Death Defying Acts” passa-se em 1926 e conta a história do famoso mágico Harry Houdini - célebre escapologista e mestre em se livrar de cordas, correntes e todo o tipo de amarras em ambientes hostis como tanques de água, entre outros - eterno céptico das chamadas “manifestações sobrenaturais”, especialmente do que toca ao espiritismo e aos contactos com o Além, na sua busca de um médium que consiga pô-lo em contacto com a amada mãe, oferecendo um prémio de dez mil dólares a quem efectivamente realizar este feito debaixo de escrupulosa observação científica. Tal busca leva-o a Edimburgo, cidade natal de uma médium de feira, Mary McGarvie (Catherine Zeta-Jones) e da sua inventosa filha Benji (Saoirse Ronan). Mary e Benji têm um número de adivinhação que envolve Benji recolhendo informações discretamente entre os membros da audiência que Mary pode usar para fingir que contacta os seus entes amados já falecidos e assim lutam para assegurar uma pobre vivência, vivendo numa humilde casinha no cemitério até que descobrem do desafio e da chegada de Houdini e rapidamente Mary engendra o plano do costume, numa tentativa de descobrir quais as últimas palavras proferidas pela falecida mãe do mágico e assim ganhar os dez mil dólares prometidos. O carismático Houdini rapidamente se apaixona pela feroz Mary e esta, no final, terá de escolher entre seguir com o seu plano e conseguir o dinheiro que tanto precisa ou deixar-se levar por Houdini e abandonar a falcatrua.
Como já disse, “Death Defying Acts” não é um filme espectacular: não sendo material de Óscar nem filme que se discuta em profundidade, nem mesmo o que se poderia chamar de uma “biopic” (uma biografia cinematográfica), portanto analisar a profundidade dos personagens que se baseiam em pessoas reais é um tanto absurdo, conta porém com excelentes participações, de salientar a jovem Saoirse Ronan, que alguns poderão reconhecer do aclamado “Expiação”, como a matreira Benji, uma rapariga sonhadora e imaginativa, como é típico das meninas da sua idade, mas igualmente esperta e sagaz, que aprendeu a jogar com as cartas que a vida lhe dá para a melhor aproveitar – de facto, se a princípio nos deixamos levar pela noção que Benji é a ingénua fascinada por Houdini e a sua mãe Mary a prática e gélida artista do embuste, no fim vemos que Benji sabe o que a casa gasta e, em certas ocasiões, é ela que toma conta da mãe. A forma como ela encontra um aliado inesperado no ultra-protector manager de Houdini, Mr. Sugarman (Timothy Stall), um homem com o qual nada a pequena tem em comum e com quem muitas vezes colide, é bastante engraçada. A fotografia também é muito bonita, emprestando ao filme uma qualidade estética bastante agradável. O desenrolar da história… dado que nos é apresentado um fim de interpretação aberta, temos a liberdade para escolhermos nós o caminho que nos parece que melhor encaixa na narrativa, abrindo assim a oportunidade de agradar tanto aos espectadores mais realistas como aos mais esotéricos: mesmo assim, é minha opinião que a cineasta se deixou levar pelo romance entre Houdini e Mary e negligenciou, de certa forma, o ângulo do embuste que mãe e filha estavam a tentar perpetrar sobre o mágico. Gostaria de ter visto um maior foco no método de impostura de Mary, talvez uns quantos mais transes psíquicos fingidos, bastante mais pesquisa e inquérito dissimulado – como aquele feito na amostra do trabalho das McGarvies para o seu número de adivinhação, cedo no filme –, um maior desenvolvimento na relação de Houdini e Mary, em vez da rendição quase que súbita daquela que era, aparentemente, uma feroz e decidida intrujeira aos charmes do ilusionista. Graças ao que é sagrado que a pequena Benji tomou as coisas nas suas mãos e não transformou o filme num romance de cordel, se bem que a sua pequena participação não chegou para ajudar o filme a atingir o seu completo potencial.
Embora só tenha chegado este ano ao público português, “Death Defying Acts” anda por aí desde o ano passado e foi tido como “o próximo ‘Prestige’”, o famoso filme sobre ilusionismo no século XIX com Hugh Jackman que eu considerei “um prazer culposo”. Embora sejam os dois filmes de época (contudo de épocas diferentes) sobre o ilusionismo no mundo do espectáculo (embora “Death Defying Acts” o trate mais como pano de fundo enquanto “Prestige” se centra exactamente neste tema) não direi que “Death Defying Acts” seja tão atraente como “Prestige”, mesmo que o primeiro não tenha algumas das falhas estruturais do segundo e seja, em tudo, mais realista – talvez seja por isso que o filme passa tão despercebido, aparte da sua calendarização. Penso que seja por causa do teor essencialmente romântico do filme – sim, porque é, no fundo, uma história de amor – que, talvez por razões de gosto pessoal – para mim não batem um bom drama/thriller passado nos “roaring twenties”. No entanto, se tiverem uns trocos e vontade de ir ao cinema para ver algo que não o Hulk a rebentar carros no meio das ruas da cidade, “Death Defying Acts” deverá ser certamente uma opção viável.

sábado, 28 de junho de 2008

Crítica de cinema: "Embriagado de Amor" ("Punch Drunk Love" - 2002)

Uma visita ao clube de vídeo…“Embriagado de Amor” (Punch-Drunk Love), de Paul Thomas Anderson (2002), com Adam Sandler, Emily Watson, Phillip Seymour Hoffman, Luis Guzmán
O mais recente e discutivelmente o mais conhecido dos filmes realizados pelo perturbadoramente talentoso Paul Thomas (às vezes, abreviado para P.T.) Anderson esteve nomeado para Melhor Filme na edição dos Óscares da Academia de 2007 e entitula-se “Haverá Sangue” (There Will Be Blood), ele próprio um título digno de aclamações, embora não para todos os temperamentos; no entanto, é da desventura de P.T. Anderson na comédia romântica, amplamente entendida, que gostaria de vos falar, no seu filme de 2003 “Embriagado de Amor”, sucessor do criticamente aclamado “Magnólia”. De certa forma, em traços gerais, “Haverá Sangue” e “Embriagado de Amor” não poderiam ser mais diferentes: o primeiro, uma fria e realística viagem à fealdade da natureza e da ganância humana com o pano de fundo da exploração petrolífera no oeste americano em inícios do século XIX, o segundo, a saga corriqueira de um homem em tudo comum, tímido, embora dado a repentinos ataques de raiva titânica, na sua luta no dia-a-dia para suceder nos negócios, não deixar que lhe passem a perna por cima, controlar a sua vida e, mais importante, encontrar o amor. No entanto, é surpreendente o quanto os dois filmes se aproximam: a visão do realizador está bem presente na construção de dois ambientes, de outra forma completamente distintos, mas demarcados pela mesma aridez compacta e, por vezes, algo opressora, embora em tudo comum e bem conhecida, que prende o espectador ao assento e o obriga a tomar atenção ao écran, mesmo que nada se passe nele por uns bons cinco minutos – o estilo pausado de narração da história pode até aborrecer alguns dos espectadores mais habituados à constante acção e às explosões em intervalos de dez minutos que outros filmes oferecem, mas faz tudo parte da atmosfera opressivamente realista característica deste realizador, que nos faz acreditar que estamos a presenciar os acontecimentos do filme com os nossos próprios olhos, na vida real, sem os artifícios e os floreados do cinema. Tudo isto, emparelhado com linhas de história em espiral que acabam por se completar a si mesmam, mesmo que passemos o filme a coçar a cabeça em confusão e com personagens tridimensionais, com qualidades e defeitos discerníveis, dadas a interacções e reacções naturais acaba por resultar na deliciosa, se bem que ligeiramente excêntrica trip que nos proporcionam os filmes de Anderson, a qual um toque de loucura aqui e ali em nada a corta, apenas sublinhando-a e tornando-a cada vez mais natural.
“Embriagado de Amor” é, sim, uma comédia romântica, na sua essência, protagonizada pelo conhecido cómico popular Adam Sandler; no entanto, como já disse, esta comédia romântica pouco tem a ver com a regular concepção do género e este filme em nada se compara com os restantes trabalhos de Sandler na sempre popular “comédia em série” da indústria de Hollywood. O filme segue Barry Egan, um homem cronicamente tímido subjugado pelas suas sete irmãs em todos os aspectos da sua vida, lutando contra a rotina que o vai afundando, gradualmente, numa depressão da qual ninguém se apercebe. O dia-a-dia cinzento de Barry, um homem que há muito se esqueceu que tinha sonhos, habituado a ser pisado por todos, a esconder as suas emoções e a não esperar nada da vida, é marcado por pontuais ataques de fúria violenta, a canalização de toda a frustração não ventilada propriamente durante a sua vida corrente. Para combater a solidão, Barry acaba por ligar para uma linha erótica procurando pura companhia… e acaba enrolado num esquema de chantagem e extorsão de dinheiro montado pelo personagem interpretado pelo monumental Phillip Seymour Hoffman. Entretanto, um estranho e curioso amor vai desabrochando entre Barry e uma misteriosa mulher, Lena, cuja presença apática será suficiente para fazer Barry descobrir novas forças que ele nunca soube que tinha.
O equivalente visual a assistir a “Embriagado de Amor”, para terem uma ideia em geral, é um borrão de luz e cores em permanente e lenta mutação no meio de um universo cinzento, plano, pouco atraente: é uma viagem alucinada à beleza simples e infantil que pode existir na mais hostil das situações: a vida corrente. Barry é um homem que perdeu a sua humanidade – como não a terão perdido todos os personagens do filme? – para se adaptar ao ambiente, para funcionar num mundo que não espera mais dele do que ser um personagem de fundo, uma mobília sem sonhos, sem necessidades, sem identidade, num mundo mecanizado e cruel onde a lei é comer ou ser comido – literalmente – e que a re-encontra no seio de um amor tão puro, tão natural, tão quase que infantil que poderia ter sido importado de um conto de fadas – e que, ao mesmo tempo, dá a sensação de ser um daqueles pequenos milagres que acontecem todos os dias, debaixo dos nossos narizes, entre estranhos, entre conhecidos, entre nós mesmos, aos quais raramente se dá atenção porque há que funcionar, há que produzir, há que viver, se a tal se pode chamar vida. A relação de Barry e Lena em “Embriagado de Amor” destaca-se do ambiente Andersoniano no qual foi imergida como se destaca o desenho de uma criança que usou todos os lápis da caixa colado à parede imunda de uma sala de chuto. Tudo isto encarreirado com uma tal leviandade e jovialidade – não presente, digamos, em “Haverá Sangue”, talvez a maior soante diferença entre os dois últimos filmes de P.T. Anderson – que não deixa de nos tocar, às quais não se sai indiferente.
É um filme que fica convosco. O seu simbolismo aplica-se nas vidas correntes de cada um de nós e acho que é esse o verdadeiro poder da mensagem de Anderson. Por muito patético e solitário que Barry Egan nos pareça, há um pequeno Barry Egan em cada um de nós, e isso leva-nos a querer fazer alguma coisa sobre o assunto.
Que mais posso eu dizer? As performances são do melhor. O destaque é, claro está, do protagonista, Adam Sandler, que prova neste filme estar completamente desaproveitado nas comediazitas básicas pelas quais fez nome em Hollywood. Sandler desempenha um papel assombrosamente relacionável com a dose certa de excentricidade para o tornar um personagem viciante – uma das melhores actuações da sua carreira. Emily Watson, o par romântico de Sandler, desempenha o seu papel com uma fleuma carismática que serve de perfeito exemplo em como os personagens deste filme falam mais alto pelos seus silêncios do que pelas suas falas – mas quando têm de falar, ó se falam. Claro está, não se pode esquecer Phillip Seymour Hoffman, um dos mais versáteis e talentosos actores desta geração e na minha lista de preferidos pessoais, no tipo de papel que desempenha melhor (sem ofensa ao extraordinário “Capote”) – o de sacana, se bem que considero que o tempo de antena que lhe foi dado mal lhe deu espaço para realmente brilhar. A estrela do filme é, então, e sem sombra de dúvidas, Sandler, que só tem a perder em voltar para o tipo de filmes que fazia anteriormente.
Quanto ao potencial comédico? Não se trata de comédia do género de Judd Apatow ou mesmo de Richard Curtis, de rir às gargalhadas. São apenas pequenas situações inseridas no espírito geral do filme que estimulam bons sentimentos cá dentro – o plano recorrente de Barry durante todo o filme de se aproveitar de uma promoção defeituosa promovida por uma linha de comida instantânea que lhe permitirá acumular milhões de milhas aéreas a custo mínimo, que o leva a comprar montanhas e montanhas de pudim, a bem conseguida fuga aos clichés do cinema comercial – quando Barry tenta usar as suas milhas para seguir Lena até ao Havai, assim, noutro tipo de filme, providenciando o espectador com a verdadeira razão, em termos de desenrolar da história, para a acumulação maníaca de pudim, as milhas só são descontáveis dentro de 6 a 8 semanas. Noutro filme Barry estaria de graça, irrealisticamente, dentro do avião em três tempos, mas tal como na vida real, as coisas não correm sempre bem (e, segundo a lei de Murphy, quanto mais potencial há de as coisas correrem mal, pior elas correm) e Barry é forçado a comprar o bilhete – e o brilhantismo dos protagonistas – a cena de insultos entre Sandler e Seymour Hoffman ao telefone tem que ser incluída nos clássicos da comédia rudimentarmente elaborada – que aliviam a pressão de “Embriagado de Amor” e o tornam o filme leve para o espectador de cinema pensante de eleição.
Concluindo, digo-vos o que vos digo acerca de “Haverá Sangue”: não é um filme para todos, muito menos para os inquietos por acção. Mas é fantástico, um balde de água fresca num dia quente de Verão e, portanto, vai-vos altamente recomendado.

Crítica de cinema: "Um Belo Par de Patins" ("Forgetting Sarah Marshall" - 2008)

Uma ida ao cinema: Um Belo Par de Patins (Forgetting Sarah Marshall), de Judd Apatow (2008), com Jason Segel, Kristen Bell, Russell Brand, Mila Kunis.Se estão à procura de uma hora e picos de descontra e de se desligarem do mundo real numa sala escura a cheirar a pipocas, recomendo a última desventura do popular realizador cómico Judd Apatow (Virgem Aos 40 Anos, Superbaldas, Um Azar do Caraças…) como uma alternativa viável a um belo balde de gomas mentais para quem gosta de cinema e comédia bem feitos mas não está para aturar um filme que lhes peça para pensar minimamente. Está tudo OK; todos temos esses desejos de vez em quando. Afinal, é para iusoo que serve o cinema, não é?
Um Belo Par de Patins segue Peter, (Jason Segel), um tonhó de primeira com uma namorada famosa (Kristen Bell), estrela de uma série de televisão popular, que o abandona. Peter terá então de se aguentar durante a recuperação de um romance que ele descobre, posteriormente, ter altamente idealizado, enquanto Sarah, a ex-namorada, mostra a sua verdadeira face, e assim esquecê-la: para tal decide viajar até ao Havai onde – surpresa, surpresa! – Sarah se encontra, de férias com o novo namorado. Peter faz assim um novo grupo de amigos que o ajudarão a ultrapassar a crise emocional que incluem um peso-pesado de cozinheiro havaiano, um instrutor de surf permanentemente pedrado, uma bonita e simpática recepcionista e até o novo namorado de Sarah.
Para começar, o filme é hilariante; depois, há que ter em atenção que o guião, escrito pelo protagonista, Jason Segel, é refrescantemente verdadeiro e as falas dos personagens soam de tal forma a improvisação livre dos actores ou à conversa que todos nós temos diariamente com os nossos amigos que é muito fácil entrar no espírito das palhaçadas que, como é óbvio, têm sempre lugar marcado numa comédia deste género. Quem já viu os supracitados títulos realizados por Judd Apatow sabe que este segue um método muito linear para elaborar os seus sucessivos sucessos: a história de um protagonista panhonhas, rodeado por amigos “stoners” e tão destrambelhados como ele, ou mais, que por acção ou influência de uma rapariga extraordinariamente ridícula – que, na vida real, acreditem, nada quereria com ele – acaba por encontrar uma solução para o problema que o aflige (“com resultados hilariantes!”) e assim, mais ou menos gradualmente tornar-se um adulto ajuizado, recheada de clichés e de humor de cariz sexual explícito funciona, ultimamente, devido à naturalidade do correr do diálogo e das performances realistas, sentidas e verdadeiras desempenhadas pelos actores – que, diga-se de passagem, costumam ser um mesmo grupo, rodando entre eles os papéis e projectos de Apatow; temos em Um Belo Par de Patins, os “repetentes” Paul Rudd, Bill Hader e Jonah Hill, por exemplo – que imprimem à comédia um carácter sadio e que dão aos personagens, mais notoriamente do Peter de Jason Segel, a consistência e tridimensionalidade que os distingue de meros algomerados de estereótipos e nos permitem a nós, espectadores, relacionarmo-nos com eles, afectarmo-nos a eles e desejar que encontrem o seu final feliz – porque os há, nos filmes de Judd Apatow.
É claro que o humor é mais direccionado ao público masculino e oscila entre o brutalmente explícito (a sério, não vejam este filme com pessoal mais tapadinho: as piadas que lhes vão ter de explicar vão acabar por sair embaraçosas) e o infantil, sendo que trabalha, tal como os personagens ganzados e preguiçosos de Judd Apatow, nas linhas da nudez, do sexo, da erva e das restantes funções corporais. É claro que, embora Jason Segel, que consegue claramente passar a mensagem do conflito interior do seu personagem por meio de “comic relief”, o qual consegue balancear entre o realista e o exagerado para propósitos de comédia e Russell Brand está simplesmente brilhante e hilariante como o novo namorado de Sarah, um excêntrico e ninfomaníaco rocker, nem todos os actores estão no topo do seu jogo – em especial as actrizes principais, Kristen Bell e Mila Kunis, seguem a regra de ouro das comédias nas quais o material cómico em si é deixado aos seus parceiros masculinos. É claro que há muitos pontos da história que ficam por explicar, já para não falar de ter sido bom termos acompanhado melhor o relacionamento de Peter com os seus novos amigos no hotel, e como raio é que se decide que uma pessoa que nunca tínhamos visto na vida é a nossa alma gémea em quatro dias apenas?...
Embora o filme seja muito engraçado, “Um Azar do Caraças” talvez seja mais compactamente carregado de situação de rir em plenos pulmões: porém, como já disse, a naturalidade de “Um Belo Par de Patins” e o charme nerd-ish de Jason Segel faz, nalguns aspectos, este filme superior ao “Azar do Caraças”, protagonizado por Seth Rogen. Em suma, este filme conquistou-me, e assim o recomendo como uma terapia de descontracção muito agradável. Tenham em conta, no entanto, que há alguma nudez, cenas de sexo, linguagem grosseira e, portanto, não levem os vossos irmãozinhos nem as vossas avós a ver este filme.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

Crítica de cinema: "Sin City" (2005)

Sugestão do fim-de-semana: uma visitinha ao clube de vídeo…

“Sin City”, de Robert Rodriguez & Frank Miller, 2005: com Bruce Willis, Clive Owen, Mickey Rourke, Jessica Alba, Benicio del Toro, Elijah Wood, Rosario Dawson

“Comic-book geeks” irão reconhecer, quanto muito por título apenas, o afamado “romance gráfico” de Frank Miller “Sin City”, uma ode persistentemente bicromática ao espírito “noir” dos filmes de “suspense” a preto e branco, moralmente ambíguos e carregados de estilização dos anos 40 e 50; a “graphic novel” de culto foi, em 2005, trazida até o grande écran pelo professo admirador do trabalho de Miller e jovem realizador Robert Rodriguez, um mestre do retorcido cinematográfico de gosto na era dourada do “gore” realístico que permite a cineastas de outra forma talentosos como Eli Roth terem sucesso por filmes doentios como “Hostel”, ou que faz de “Saw” e das suas múltiplas sequelas êxitos de bilheteiras entre rapazolas de 12 anos. Em detrimento do bom carácter de Rodriguez – que, na minha opinião, não está em causa – o material original não era pêra doce também: Miller vê um mundo a preto, branco, e vermelho-sangue de corrupção, violência, morte, traição, insegurança, ódio – humanidade na sua vertente mais animalesca – que se desenrola abertamente na fictícia Basin City mas que poderia tomar lugar, de forma ligeiramente mais encoberta, em qualquer outra grande cidade dos EUA ou de qualquer outro país industrializado. O título da colectânea dos vários capítulos desta obra de banda desenhada, publicada em almanaques de 1991 a 1992, resume bem o mundo de Sin City: “Booze, Broads and Bullets”: “bebida, gajas e balas”. Os homens são assassinos contratados, “serial killers”, gangsters, políticos ou cléricos corruptos e distorcidos, feios, musculados, armados e cicatrizados: as mulheres são “vixens” sensuais e perigosas, prostitutas ou matadoras treinadas que vestem cabedal e sabem fazer doer. Diz-se que em “Sin City”, o leitor não julga a moralidade do personagem pelo facto de ele torturar e matar pessoas ou não, mas sim pelas pessoas que ele tortura e pelos motivos porque o faz. Estão a ver a imagem.

A história do filme divide-se em três diferentes vertentes, a saga de três diferentes grupos de personagens: a história principal, “Aquele Sacana Amarelo”, revolve em volta do personagem interpretado por Bruce Willis, o último polícia honesto de Basin City, e da sua luta para salvar uma menina das garras de um predador sexual psicopata, indo contra o poder político da cidade que se une para ilibar o violador e condenar o polícia. Mickey Rourke está irreconhecível em “O Duro Adeus”, como um ex-condenado de bom coração mas de péssima imagem, que jura vingar a morte misteriosa de uma prostituta que amou e que foi assassinada debaixo do seu nariz. Finalmente, “A Grande Matança” conta a história de uma guerra urbana que nasce no bairro das prostitutas de Basin City, o bairro mais seguro da cidade, quando a intromissão da polícia, violenta e corrupta, se faz sentir.

O principal a saber acerca de “Sin City” é que é um filme visualmente avassalador: amantes da fotografia cinematográfica, têm o dever de ver este filme. Tal como o romance gráfico, o filme é a preto e branco com ocasionais objectos coloridos para lhes emprestar um ênfase especial – o exagero burlesco nos efeitos especiais, o esfumado dos “backgrounds”, as suas características quase que de fachada, de cenário de banda desenhada, mas que ao mesmo tempo se infiltram perfeitamente no espírito de Basin City como uma cidade real, num mundo diferente mas perturbadoramente familiar, remete-nos não só para o material de origem e para os filmes “noir” nos quais se inspira mas também para um lugar mental marcado pelo “glamour” do perigo e da presença contínua da morte nas sinuosas e escuras ruas da Cidade do Pecado que insere o espectador imediatamente no mundo de Sin City. Por exemplo, a primeiríssima cena do filme, um one-shot entre as misteriosas personagens de Josh Hartnett e Marley Shelton, é, a meu ver, uma das mais esteticamente belas cenas alguma vez filmadas, no topo de um prédio com Basin City iluminada à noite como pano de fundo, o único elemento colorido da cena sendo o vestido de Shelton, vermelho-sague. Mas não é só o aspecto a razão pela qual “Sin City” deve estar nas vossas listas de filmes para ver num futuro mais próximo: as representações são topo de gama, como se poderia esperar do elenco de luxo, embora não sendo realísticas: os actores reconhecem que estão num filme de banda desenhada – ao contrário de, digamos, o franchise Spider Man, no qual a presença de um ser sobre-humano que salta de parede em parede na cidade é, ultimamente, encarada com toda a naturalidade do mundo pelas restantes personagens - mas sem o dar a entender continuamente à audiência; estes actores entram na pele dos personagens e recitam as falas directamente dos balõezinhos de discurso da banda desenhada sem que pareça fora do lugar ou pouco natural. Bruce Willis cai ainda nos seus próprios velhos tiques patenteados, mas, por exemplo, fãs do “Senhor dos Anéis” nunca mais vão olhar para Elijah Wood com os mesmos olhos; e, é claro, há a Jessica Alba, que sem dúvida atrairá muitos espectadores do sexo masculino.

Em suma: “Sin City” é uma aventura cinematográfica inacreditável, memorável e divertida ao mesmo tempo, completamente acessível ao espectador que não conhece a obra original (é claro que todos os dados, como o significado da personagem de Josh Hartnett e a sucessão das histórias no tempo, não são apresentados de bandeja, mas com um mínimo de raciocínio toda a gente chegará lá) e, ao mesmo tempo, consegue ter uma fidelidade tal ao romance gráfico de Miller (não fosse ele o co-realizador de Rodriguez!) que o filme é, basicamente, as vinhetas da banda desenhada interpretadas por actores que muito se parecem – naturalmente ou por via de caracterização, com os desenhos originais. É claro que não é um filme para meninos pequeninos, dado que a contagem de corpos pelo final do filme já ultrapassa os dedos das duas mãos e que o filme trata de temas pesados como a tortura, homicídio, violação, canibalismo, prostituição, enfim – no entanto, é preciso notar que as cenas de tortura estão reduzidas a um mínimo necessário à progressão da história, não há cenas de sexo explícito e mesmo a violência, como tudo o resto, é tratada maioritariamente da mesma forma que é tratada numa banda desenhada – caricatamente e absurdamente exagerada, do género que se poderia encontrar, digamos, em filmes de acção japoneses ou nos dois volumes de “Kill Bill” (de facto, o realizador de “Kill Bill”, o afamado Quentin Tarantino, é amigo pessoal de Robert Rodriguez e realizou um segmento do filme envolvendo Clive Owen e Benicio del Toro, que, a meu ver, é tão absurdo como genial e serve de perfeita amostra do espírito de “Sin City”). Este é, portanto, um dos meus filmes preferidos dos últimos anos e tem, obviamente, o meu selo de aprovação.

Aos meus leitores imaginários

Então, pessoal, td bem? Benvindos ao meu novo espaço, "Espelhos e Fumo", um lugar que vou usar para me apoiar na minha contribuição para o blog futreal.blogspot.com (vão visitar) com textos de crítica de cinema.

Digo desde já que não esperem muito mais daqui... tenho historial de ser um tanto quanto "incerta" nestas coisas, chegando ao ponto de manter um Diário por 3 anos seguidos para depois o abandonar subitamente (e o retomar vezes sem conta... para voltar a abandoná-lo). O mesmo se passou com variados blogs.

Mas isto não vos deve interessar nada, uma vez que estou completamente iludida em como alguém derá este singelo blog. Sendo, portanto, vossas excelências fruto integral da minha imaginação, passo a assegurá-las que são, no entanto, os mais belos, cultos, inteligentes e espirituosos leitores fictícios que algum blogger alguma vez teve. Não deixem que ninguém vos diga o contrário.

Com saudações imaginárias,
Sofia